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Deputado relator, GUSTAVO FRUET, REJEITA Projeto que poderia ajudar atingidos contra demarcação SPU

Atualizado: 24 de jan. de 2020

Orientação Normativa “ON-GEADE-002-01”, aprovada pela Portaria nº 162, de 21 de setembro 2001, da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), continua valendo


COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO URBANO

PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO Nº 581, DE 2017


Susta a aplicação da Orientação Normativa “ON-GEADE-002-01”, aprovada pela Portaria nº 162, de 21 de setembro 2001, da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), e todos os processos administrativos demarcatórios que tenham utilizado essa orientação normativa. Autor: SENADO FEDERAL - DÁRIO BERGER

Relator: Deputado GUSTAVO FRUET


I - RELATÓRIO O Projeto de Decreto Legislativo nº 581, de 2017, pretende sustar a aplicação da Orientação Normativa ON-GEADE-002-01, aprovada pela Portaria nº 162, de 21 de setembro de 2001, da Secretaria do Patrimônio da União (SPU). O referido regulamento disciplina a demarcação de terrenos de marinha e seus acrescidos. O PDC em tela, por meio de seu art. 2º, susta também todos os procedimentos administrativos e atos normativos de demarcação de terrenos de marinha e seus acrescidos que não tenham:


a) excluído da demarcação os imóveis doados a entes públicos ou privados, mediante autorização em lei federal, estadual ou municipal;

b) excluído da demarcação os terrenos de mangue da costa e seus acrescidos incluídos, enquanto domínio territorial, como terras devolutas, caso não pertençam, por algum 2 título, ao domínio particular, mesmo que de ocupação rural e urbana, não consolidado, enquadráveis como áreas de preservação permanente na forma da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012;

c) excluído da demarcação as margens dos rios e das lagoas não navegáveis ou flutuáveis em 1831, mesmo que em domínio marítimo, classificados como comuns ou particulares, conforme os arts. 7º e 8º do Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934;

d) excluído da demarcação as linhas costeiras interiores e os domínios marítimos de rios e lagoas públicas, navegáveis, de domínio hídrico dos estados, por força do inciso I do art. 26 da Constituição Federal, da Lei nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993, e do Decreto nº 8.400, de 4 de janeiro de 2015; e

e) excluído da demarcação os imóveis costeiros em trecho da costa sobre avanço do mar cujos limites mais próximos às margens das águas em 1831 se encontrem, hoje, de acordo com a Linha de Preamar Média de 1831 (LPM), em cota altimétrica superior à Média das Preamares Superiores (MHHW), indicada nas cartas náuticas de grande escala, publicadas pela Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) da Marinha do Brasil.


Por fim, o art. 3º do PDC nº 581, de 2017, susta todos os processos administrativos de demarcação de terrenos de marinha da União, em margens de domínio oceanográfico e hidrográfico, reconhecidos pelas autoridades públicas competentes, pela Marinha do Brasil, pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) ou pela Agência Nacional de Águas (ANA) como sendo de domínio fluvial ou marítimo dos entes estaduais.


A Proposição teve origem no Senado Federal, sob a numeração PDS nº 157, de 2015, e autoria do Senador Dário Berger. O autor justifica a medida com o argumento de que a Orientação Normativa ONGEADE-002-01 apresenta inúmeros vícios de legalidade. Como fundamento, 3 trouxe registros de documentos, palestras e consultorias técnicas realizadas, desde 2002, pelo Prof. Dr. Obéde Pereira de Lima1 , Eng. Cartógrafo. Citou, também, a tramitação de diversos processos administrativos e judiciais que contestam a validade das demarcações realizadas com base na orientação normativa em apreço.


Por fim, elencou diversas questões específicas do texto normativo que, para o autor, exorbitam do poder regulamentar, conforme seguir transcrito: A exorbitância do poder regulamentar é mais evidente na “ONGEADE-002-01”, nos seguintes itens:

  1. Ao diferenciar a legislação vigente entre histórico (4.1) e atual (4.2), indicando como atual e vigente apenas a DL.9.760, de 1946; omitindo a incidência do disposto na D.nº 24.643, de 1934, quanto a diferenciação das correntes públicas ou privadas, navegáveis ou não;

  2. Ao alterar deliberadamente a alínea “b” do art. 2º, do D. nº 9.760/46, trocando o termo original e legal “ilhas” por “linhas”, no sentido de incluir nestes “contornos onde se faça sentir a influência das marés”, as restingas enquanto faixa de proteção de “terrenos de mangue da costa”, os quais são considerados erroneamente como acrescidos de marinha, sem qualquer preocupação de demonstrar a situação fática em 1831, contrariando toda a legislação sobre “terrenos de mangue da costa” acumuladas até 1946, quando eliminadas dos bens listados como da União.

  3. Ao estabelecer sem base jurídica ou histórica que os terrenos de marinha são terrenos enxutos (4.6.1.1), enquanto premissa básica (4.6.1) preferindo a expressão enxuto, ao invés de terra firme (costa) para diferenciar da rãs lodosa (mangue ou marinha) ou rasa arenosa (praia ou marisma). Amplia-se assim de forma arbitrária o limite a ser demarcado. Sem se preocupar de constar que a LPM/1831 encontrada foi alguma vez banhada por marés vivas, como estabelece a doutrina e a história;

  4. Ao adotar como quantificador da cota básica efetiva, os locais onde a ação da dinâmica das ondas, atingirem nível superior a LPM (cota básica verdadeira) na forma do item 4.8.9; ampliando-se mais uma vez a extensão dos terrenos de marinha; 1 LIMA, Obéde Pereira de. Localização geodésica da Linha da preamar média de 1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e de seus acrescidos. Florianópolis, SC, 2002. Xx, 25 1p. Tese (Doutorado em Engenharia)- Pós Graduação em Engenharia Civil, UFSC, 2002 4

  5. Ao identificar em domínio terrestre (terreno) na forma do item 4.10.3, a influência da maré, e não no centro da seção do curso de água ou lagos; demarcando solo hidromórfico (área úmida), como se fosse leito de lago navegável (água dormente), como determina a lei.

  6. Ao buscar variações de maré em pequenos cursos de água, na forma do item 4.10.13; projetando sobre suas margens terrenos de marinha arbitrários, independente se estas correntes são, na forma da lei, públicas ou privadas, adjacente (ou não) ao domínio hídrico da União, em total conflito com o disposto em vários artigos do D. 24.643, de 1934, que garante o domínio privado dos cursos de águas não navegáveis encrustados em propriedade particular, bem como os direitos dos ribeirinhos.

  7. Outros mais técnicos são citados por Lima (2002).

As demarcações fundamentadas nos vícios relatados trazem, nas palavras do autor, “grande prejuízo para a população dos estados litorâneos, especialmente para a municipalidade, que perde para a União o domínio de importante patrimônio urbano”.


A proposição tramita sob o regime de prioridade e está sujeita à apreciação do Plenário. Além desta CDU, o PDC nº 581, de 2017, foi distribuído à Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (Ctasp) e à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), a qual deverá avaliar o mérito e a constitucionalidade e juridicidade da matéria. É o relatório.


II - VOTO DO RELATOR


São inegáveis a complexidade e a relevância das questões que envolvem a demarcação de terrenos de marinha e seus acrescidos. Dificuldades técnicas para delimitação espacial, impactos econômicos e financeiros que recaem sobre o Poder Público e sobre particulares, além de consequência ambientais do uso do solo na zona costeira tornam as tomadas de decisão em terno do matéria marcadas por polêmicas e conflitos de interesse.


Para esta CDU o tema é de grande importância, pois impacta diretamente o espaço urbano do litoral brasileiro, caracterizado, em geral, como áreas urbanas densamente povoadas, carentes de infraestrutura urbana e ainda sujeitas à problemas sociais e econômicos advindos do mal e irregular uso, ocupação e parcelamento do solo urbano.


É evidente, portanto, que esta Casa e, em especial, esta Comissão, devem se dedicar sobre as problemáticas que envolvem a demarcação dos terrenos de marinha, a fim de propor soluções aos problemas existentes e evitar a consumação de atos tecnicamente inadequados ou contrários ao ordenamento jurídico pátrio, que terminam por impedir o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. Quanto a isso, portanto, acompanho o autor do PDC nº 581, de 2017, em suas preocupações acerca da correção do processo de demarcação dos terrenos de marinha. Entendo, no entanto, que o decreto legislativo não é o meio juridicamente adequado para tratar essas preocupações.


Mais especificamente, entendo que esta Casa não está autorizada pela Constituição Federal a sustar, por meio de decreto legislativo, instruções normativas do poder executivo. De acordo com o art. 49, inciso V, da Constituição Federal (CF), é de competência exclusiva do Congresso Nacional, “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa”. No art. 84, ao tratar das competências privativas do Presidente da República, a Constituição Federal esclarece o que vem a ser o poder regulamentar. Trata-se, em verdade, de poder exercido privativamente pelo Presidente da república, por meio da expedição de regulamentos. O Dr. Jorge Radi Junior² , em interessante ensaio sobre o tema, explica:

  • A confirmação de que os regulamentos são expedidos somente pelo Presidente da República, e por nenhum outro órgão ou agente da Administração Pública, vem do inciso II do parágrafo único do art. 87, da CF, que dispõe sobre a competência dos Ministros de Estado para expedir atos que, tais quais os regulamentos derivados, possuem natureza normativa e finalidade assecuratória da execução de atos normativos de hierarquia superior. Tratam-se das instruções normativas que se prestam a garantir “a execução das leis, decretos e regulamentos”. Ora, se os Ministros de Estado só podem expedir instruções para garantir a execução de leis, decretos e regulamentos, é de lógica inconteste que a tais autoridades não é permitido editar leis, decretos e regulamentos.

  • [...] O poder regulamentar é a aptidão para se produzir regulamentos, ou seja, é o conjunto de competências com sede no art. 84, IV e VI, “a”, da CF, destinadas privativamente ao Presidente da República para a expedição, por meio de decreto, dos regulamentos derivados (executivos e autorizados) e autônomos.

  • A expressão “regulamentar” pode sugerir a equivocada ideia de que as competências integrantes de tal poder se prestariam exclusivamente à edição de atos regulamentadores da lei, no sentido de serem capazes de viabilizar a execução legal. No atual contexto constitucional em que está inserido o poder regulamentar, isso não é possível, considerando que o regulamento autônomo (art. 84, VI, “a”, da CF) editado não possui características de regulamentação. Portanto, a rigor, o costumeiramente denominado poder regulamentar não pode significar o poder de editar atos regulamentadores da lei; deve ser entendido como o poder de regulamentos.

Dessa forma, cabe ao Congresso Nacional, por meio de seu poder sustatório, atuar apenas sobre regulamentos produzidos privativamente pelo Presidente da República. Os atos normativos oriundos de órgãos e agentes da administração, para os fins do disposto no art. 49, inciso V da CF, não são expressão do poder regulamentar, por não poderem ser editado por não poderem ser editados pelo Chefe do Executivo. Esse entendimento é perfeitamente compatível com a lógica de separação e independência dos Poderes estabelecida e garantida pela Constituição Federal. Se pudesse o Poder Legislativo sustar todo e qualquer ato normativo do Poder Executivo, estaria ele dotado de poder extremamente desproporcional para interferir de forma direta em políticas, programas e atos administrativos, o que, de forma alguma, é coerente com os demais instrumentos de freios e contrapesos vigentes. O Poder sustatório deve ter por objetivo a preservação da competência legislativa primária do Poder Legislativo e nada mais. Usando novamente as palavras do Dr. Jorge Radi Junior, tem-se que:

  • Tendo em vista que a sustação integra uma regra que excepciona a independência dos Poderes, na medida em que permite ao Congresso Nacional controlar os regulamentos de competência privativa do Presidente da República, as ações do Legislativo no exercício dessa atribuição devem estar expressamente previstas na Constituição Federal, sob pena de afronta ao primado da separação dos poderes.

Assim, o uso desmedido e pouco criterioso do poder sustatório para interferir no Poder Regulamentar, constitucionalmente conferido ao Presidente da República, configura afronta ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º, da CF). Além de inconstitucional, o uso inadequado do poder sustatório traz grandes prejuízos à segurança jurídica, especialmente quando o Poder Legislativo procura modular os efeitos de decreto legislativo, buscando desconstituir atos administrativos perfeitos.


O Congresso Nacional precisa ser atuante, mas com critério, ou seja, dentro dos limites constitucionais e legais que lhes são conferidos. Precisamos zelar pela qualidade dos trabalhos desta Casa, que muitas vezes recebem duras críticas da sociedade, cada vez mais atenta ao que fazemos e produzimos. O Dr. Jorge Radi Junior, ao reunir todos os projetos de decreto legislativo apresentados no Congresso Nacional entre a promulgação da Constituição de 1988 e o final da sessão legislativa de 2014, mostrou como o instrumento tem sido usado de forma inadequada, impugnando não apenas atos normativos regulamentares, mas atos individuais e concretos, desprovidos de natureza normativa, tais como decisões administrativas. Segundo o autor, aproximadamente 72% dos Projetos de Decreto Legislativo (PDC) do período avaliado foram apresentados indevidamente. Talvez isso explique por que tão poucos PDCs foram aprovados. Apenas 0,81% dos projetos transformaram-se, efetivamente, em decretos legislativos.


Por todas essas razões, entendo que o PDC nº 581, de 2017, apesar de trazer preocupações legítimas e relevantes, não deve prosperar, pois não constitui o instrumento apto a impugnar instrução normativa do poder executivo. Para questionar, fiscalizar e impugnar esse e outros atos do Poder Executivo, outros instrumentos devem ser utilizados.


Neste ponto, vale lembrar que é função típica do Poder Legislativo a função fiscalizatória, por meio da qual esta CDU pode, por exemplo, avaliar atos, políticas e programas do Poder Executivo, quanto aos aspectos da legalidade, legitimidade, eficácia, eficiência e economicidade. A Constituição Federal e o Regimento Interno desta Casa garantiram estrutura administrativa e instrumentos próprios ao cumprimento da função fiscalizatória. A proposta de Fiscalização e Controle (PFC) e a possibilidade de requisitar auditorias ao Tribunal de Contas da União (TCU) estão estre os meios que o Congresso Nacional pode utilizar para fiscalizar o Poder Executivo.


É importante destacar que, por meio de auditorias, o TCU pode impor responsabilidades, sanções, adotar medidas cautelares para suspensão de atos e processos, entre outras importantes ações capazes de sanar irregularidades e corrigir desvios da Administração. Todas essas medidas, no entanto, deverão se dar no âmbito de processo administrativo, a partir de técnicas de investigação e análise apropriadas e com as garantias do contraditório e ampla defesa. Vale sublinhar, ainda, que todas as auditorias requisitadas pelo Congresso Nacional ao TCU são tratadas pelo órgão com prioridade e tramitam em regime de urgência.


Assim, entendo que a complexidade dos processos de demarcação de terrenos de marinha, que envolve múltiplos interesses e polêmicas técnicas e jurídicas, é compatível com medidas de fiscalização mais criteriosas, a exemplo de auditoras, e não com o instrumento do decreto legislativo.


Ademais, é importante registrar que se encontra em tramitação nesta Casa a PEC nº 39/2011, que objetiva retirar a propriedade exclusiva da União sobre os terrenos de marinha. Conforme o texto aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados, a União deverá transferir o domínio pleno desses terrenos de forma gratuita para estados e municípios ou habitantes de baixa renda (vila de pescadores, por exemplo). Nos demais casos, a transferência do imóvel em área de marinha envolverá custos ao ocupante e deverá ser efetivada pela União no prazo de dois anos contados da vigência da nova regra.


No âmbito do executivo, revisões e estudos sobre o processo de demarcação dos terrenos de marinha também estão em curso. Por meio da Portaria nº 11.832, de 13 de novembro de 2018, foi criado Grupo de Trabalho para elaboração de minuta de Instrução Normativa para revisão da ONGEADE-002. A Portaria prevê a participação de cientistas, pesquisadores e servidores de notório saber para apoiar a revisão técnica de proposta de normativo.


Assim, observa-se que o assunto tem sido estudado e discutido, tanto do ponto de vista das normas e leis que lhes são afetas, quanto em relação às questões técnicas e de procedimentos inerentes. Não é apropriado, assim, que o Poder Legislativo interfira de forma tão abrupta nesse tema, sustando todos os atos já consumados, bem como impedindo que novos processos de demarcação sejam conduzidos. Além de juridicamente inadequado é, também, no mérito, desaconselhável. A aprovação do PDC nº 581, de 2017, no atual contexto de revisão de normas e procedimentos, é precipitada e causaria insegurança jurídica capaz impedir o avanço dessas importantes questões.


Por todas as razões expostas, sou pela rejeição do PDC nº 581, de 2017.


Sala da Comissão, em de de 2019.

Deputado GUSTAVO FRUET Relator

2019-4095


²JUNIOR RADI, Jorge. Os excessos do Congresso Nacional na tentativa de sustar os atos normativos exorbitantes do poder regulamentar. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/red/issue/viewFile/1594/8

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